quinta-feira, 14 de maio de 2009

Desilusão (ou falta de imaginação para um título)

Cansada após o dia corrido, ela já não via a hora de voltar pra casa. A viagem de uma semana vinha sendo produtiva, estava conseguindo resolver tudo referente à mudança pra nova cidade onde arrumara um bom emprego. Sentia-se feliz. Após um longo período de inércia, sua vida começava a mudar. Há um tempo havia desistido de mentir pra si mesma e pros outros, fazendo falsas promessas de que finalmente mudaria seu jeito de ser e tomaria um rumo na vida, em todos os seus aspectos. Decidiu cumprir as promessas feitas, mas dessa vez era ela com ela mesma. Não diria “Vou fazer algo pra mudar”, já comunicaria o resultado da mudança. Não falou mais uma vez que iria parar de fumar. Simplesmente lutou contra o vício calada e o venceu.
“Vamos, ali tem uma mesa na área de fumantes”
“Não, já não fumo mais.”
“Jura? Nossa, que bom! Desde quando?”
“Desde que decidi parar e consegui.” – Sorriso orgulhoso no rosto.
Foi assim com os quilos a mais, com a mania de trocar a noite pelo dia, o descuido com a aparência, o desemprego. A cada dia ela se tornava a filha, irmã, amiga e namorada que todos desejavam. Não era mais alvo de críticas.
De modo algum havia comunicado sobre o novo emprego ou a mudança. Falaria tudo na volta, não havia decidido só comunicar os resultados e não os processos que levaram a estes? Depois de passar o dia inteiro fora, havia conseguido acertar a papelada na empresa e o aluguel da casa nova. Sala, cozinha americana, uma suíte, área de serviço. Pequeno, é verdade, mas o imóvel perfeito pra o início de uma vida a dois.
Nessa semana fora havia perdido dois aniversários: o de um amigo e o de namoro. Ligou pra o amigo, desejou tudo de bom e algo mais, falou que o presente dele estava guardado, ele ia adorar a camisa. Agora era a vez de ligar pra o namorado. Deixou por último, afinal a conversa ia se prolongar, e o que é melhor geralmente é deixado pra ser apreciado no final. Estava ansiosa, eram seis anos juntos, mas o coração ainda batia forte com as emoções e expectativas de vida nova misturadas.
“Alô?”
“Feliz aniversário!” – (Como assim ele disse alô? Ele sabe que sou eu que estou ligando, sabe da data de hoje, por que essa voz abatida?)
“Hã... ah... por quê?”
“Esqueceu?! Hoje fazemos seis anos! Tô morrendo de pena por não estarmos juntos, pra poder comemorar. Tenho tantas novidades da viagem que você nem sonha!” – (Como assim ele perguntou por quê? Ele esqueceu... Que decepção... Bom, não vamos deixar a peteca cair né?)
“Ah, sim...! Claro! É, pois é... Olha, foi até bom você ter ligado, eu tava pensando em você.”
“Ow... Que fofinho!” – (Ai, que ótimo! Menos mal, ele ia ligar. Ele não havia esquecido de todo.)
“Precisamos conversar.”
“...” – (Baque. Isso não é bom. Não dito nesse tom e somado com o início da conversa.)
“Não sei, precisamos conversar quando você chegar... sim?”
“Ok... Chego amanhã... Beijos...” – (...)
As mãos desligaram o telefone, mas a mente não estava ali. Ela ainda estava absorvendo toda a conversa. Deitou na cama e fitou o teto. As idéias giravam. Ele havia arrumado outra. Sim, claro. Só podia ser. Apesar de todo o esforço dela, ele arrumou uma garota melhor. Será que ele quer dar um tempo? Tirar férias. Dizem que é sempre bom volta e meia. Ou não? Ele quer acabar mesmo. Tipo... porque quer. Ficar só é mais interessante pra ele que ficar com ela. Não, esse nervosismo é à toa. Com certeza é outro assunto.
Despertou desse estado de torpor quando os primeiros raios de sol bateram no seu rosto. Amanheceu e ela não havia percebido, perdida em hipóteses. Já era hora de tomar banho, pegar as malas e voltar pra casa.
No táxi rumo ao aeroporto se flagrou pensando que nada tinha valido a pena. Que tinha sido uma boba. Que era mesmo um nada e que as mudanças foram em vão. A casa nova, o emprego novo, o peso saudável, saúde e boa aparência iam a cada semáforo perdendo a importância. Nada tinha valido a pena. Foi quando aceitou o cigarro que o motorista ofereceu e se pôs a pensar e pensar e pensar...

Um comentário:

Deftones disse...

Mudar é algo tão terreno... a maioria das pessoas está sempre preso à ideia de mudar "pra melhor", não aceitam permanecer na mesma condição, deve ser um afã coletivo de si mesmo... é meio pecado uma pessoa se dizer satisfeita, fugir dessa lógica de querer sempre melhorar, porque "melhorar" é um conceito vazio, não existe definição clara do que é melhor ou pior... de maneira que a simples tentativa de melhorar é dar um salto no vazio...